quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Resumo do romance Todos os homens são mortais, de Simone de Beauvoir




Resumão do romance francês Todos os homens são mortais, da magnífica escritora Simone de Beauvoir. Cuidado: é revelado o final da história! Então, se gosta de mistérios e este romance está na lista de livros a serem lidos, não prossiga na leitura deste texto.




Tive um excelente professor na UFF, André Dias, de Teoria da Literatura, que nos fazia ler um romance a cada semana, ou quinze dias, e apresentar um resumo do mesmo. Foi a melhor coisa que aconteceu naquela faculdade no que diz respeito às disciplinas! Nunca li tanto em um só período! Foi árduo, mas valeu! Gostei desse resumo e apresento aqui. ;)




Resumo:




O livro Todos os homens são mortais, de Simone de Beauvoir, conta a história de Fosca, rei de Carmona, personagem nascido no ano de 1279 (séc. XIII), que em uma situação de angustia - seu reino estava sendo ameaçado pelos genoveses - bebe o remédio da imortalidade, que, ao contrário do que ele imaginava, o torna um “amaldiçoado” sobre a terra, condenado a viver para todo o sempre.
O livro se divide em Prólogo, tem cinco partes e epílogo. A história nos é inicialmente apresentada pelo foco narrativo em terceira pessoa, “O pano ergueu-se, Régine inclinou-se e sorriu” (pág. 9, cap. 1), que nos descreverá a primeira personagem que aparece no romance: Régine. Entretanto, ainda no início do romance, a narrativa se mistura com monólogos interiores indiretos dessa personagem, interrompendo, em diversos momentos, o narrador em terceira pessoa, “Ah! Se eu pudesse ser duas, uma que falasse, e outra que ouve...”. Será através dela que conheceremos Fosca, o homem que se torna imortal, e é por volta dela que, a princípio, gira o enredo.
Régine é atriz e se caracteriza por ser invejosa, “Tenho inveja dele. Não sabe que a terra é tão grande e que a vida tão curta” (pág. 13, cap. 1), arrogante, “Florence engana-se, ela não passa de uma menina sem gênio; nenhuma mulher pode comparar-se a mim” (pág 11. cap.1) e egocêntrica, “Não há então nenhum meio de impedi-los de existir sem mim? É uma insolência” ( pág.54, cap. III). A personagem, com todas essas características malévolas, é uma anti-heroína que reconhece seus defeitos e se arrepende dos mesmos, mesmo sabendo que não conseguirá mudá-los: “Como se a maldade fosse gratuita! Como se a gente fosse má por prazer!”(pág. 16, cap. I). Régine quer ser imortal e, por isso, não suporta a idéia de que ao morrer o mundo continuará a existir sem ela, “Tudo será exatamente igual e eu não estarei aqui. É isso a morte (...) Se ao menos a gente deixasse uma marca no ar...”( pág. 19, cap.I), não suporta saber a felicidade das pessoas, porque não é ela a responsável por essa felicidade, “ É verdade. Não gosto de felicidade dos outros e agrada-me fazer com que sintam a minha força” (pág. 56, cap. III).
Depois de o narrador deixar claro o anseio de uma simples mortal pela imortalidade, mais do que qualquer outro ser humano; depois de levantar as questões sobre a existência e a fugacidade da vida através dos monólogos de Régine e até mesmo, através seu comportamento e suas manifestações, eis que surge para o leitor, pelos olhos da atriz, Fosca, “Esse homem! – disse ela. – Por que se levanta tão cedo?”.
Régine se incomoda com o marasmo, ou talvez, com a indiferença que “esse homem” possui perante a vida, “Não lhe interessava saber se ele comia ou não. O que desejava era saber o segredo do olhar dele” (pág. 19. cap. I). Mais tarde, depois de estabelecer contato com Fosca e resolver ajudá-lo a voltar a viver, o antigo rei lhe conta seu segredo, o de ser imortal, e a partir daí, Régine torna-se obcecada pela a possibilidade de alcançar a imortalidade: pertencendo à memória dele. A atriz, disposta a sacrificar tudo para se tornar imortal, deixa Roger, homem que ama, para se fazer amar por Fosca e assim realizar o seu maior desejo, “Daqui a dez mil anos alguém se lembraria de mim” (pág. 46. cap. II).
A partir da primeira até a quinta parte do romance, o foco narrativo muda completamente para narrador-personagem (narrador em primeira pessoa): Fosca passa a narrar a história de sua vida, desde o seu nascimento em 17 de maio de 1279, até o presente momento, tendo Régine como sua ouvinte. Assim, passaremos a conhecer Fosca junto a Régine. O imortal vai apresentando toda a sua trajetória e nós, leitores, vamos conhecendo as vantagens e desvantagens de ser imortal.
Fosca carregava, no século XIII, a angústia de quase todos os seres humanos: a de querer fazer algo importante para a humanidade e não possuir o tempo necessário para isso: “Morrerão todos e Carmona será salva. E então eu morrerei, e a cidade cairá nas mãos dos florentinos ou de Milão. Terei salvo Carmona e nada terei feito” (pág. 91, 1ª Parte). Quando o rei de Carmona se depara com a chance única de se tornar imortal, tomando a fórmula que o idoso mendigo, que seria executado, lhe oferece, não tem dúvidas, “Quantas coisas poderia eu fazer!”(pág. 94.1ª Parte), e a toma sabendo que a partir daquele momento tudo seria diferente para ele, “Nunca mais veria aquele quarto com os mesmos olhos” (pág. 94, 1ª Parte).
A principio, Fosca encontra-se realizado, torna-se intolerante e insensível perante aquelas vidas tão efêmeras, “- Eu só tenho uma vida. Dei de ombros. O que era uma vida?”(pág 100, 1ª Parte), e o sentimento de ser soberano e deus na terra o acompanha por muitos séculos, “Não tinha certeza naquela época de que o céu fosse vazio, mas não me preocupava com o céu; e a terra não pertencia a Deus. A terra era meu domínio” (pág. 103, 1ª Parte). Esse desejo de ser soberano o faz guerrear por muito tempo, até que chega a conclusão, depois de sofrer com os fenômenos da natureza, como as tempestades, a peste e etc..., de que para nada serve guerrear, e que nunca se alcança à vitória, se é que, segundo a personagem, existe vitória, “...como se a vitória tivesse sido uma verdadeira vitória, como se a palavra vitória tivesse um sentido...” (pág. 136, 1ª Parte).
Durante o seu percurso como rei, surgem-lhe vozes de sabedoria que o acompanharão para toda a sua eternidade e que transformarão aos poucos a sua visão sobre o mundo. Uma dessas vozes que o acompanha é a do monge que lhe diz: “Acredita ter realizado grandes coisas, e o que fez não é nada” (pág. 103. 1ª Parte). A partir daí, a personagem repetirá sempre a mesma pergunta, “Útil a quem? A quê?”, em relação à arrogância dos seres humanos, a que ele também pertence, “Lançara crianças aos fossos. Por quê?” (pág. 121. 1ª Parte), que sacrifica outros seres humanos por um fim inexistente. Assim, o que antes, com a sua visão de mortal fazia-lhe sentido, com o passar do tempo, vendo as coisas se repetirem diferentemente do que imaginara, perdem totalmente o sentido.
Fosca desanima da vida e passa a buscar respostas para suas perguntas nos seres humanos, assim como é através deles que tenta viver, já que não se percebe mais capaz de SER um deles. Primeiramente decide ter um filho para preencher o seu vazio interior, a sua insatisfação, para se sentir completo como um deus: “Fui eu quem fez o seu destino (...) deve-me a vida, deve-me o mundo” (págs. 126-127, 1ª Parte).
Depois de ter o filho, Antônio, morto numa guerra sem sentido, como todas as outras, Fosca acredita que a sua felicidade está em dominar o mundo.
Mais uma vez, Fosca torna-se inflexível e capaz de tudo para alcançar o seu objetivo: é capaz do mal para conquistar algo maior, “- Com a condição de que o mal seja útil” (pág. 187, 2ª Parte). Após muitos outros massacres, chega a mesma conclusão que chegara outrora em Carmona, “tudo mudava, e tudo continuava igual” (pág. 189, 2ª Parte) e descobre que o que destruíra, com o objetivo de expandir o seu mundo era exatamente o mundo que gostaria de possuir, “Eis o império que destruímos, o império que eu desejava estabelecer sobre a terra e que não soube construir” (pág. 200, 2ª Parte).
Fosca, desolado, mais uma vez, caminha solitário por entre desertos e florestas do “coração desconhecido do continente” (pág 212. 3ª Parte), e só encontrará novamente uma razão para sua vida ao se deparar com o Pierre Carlier, que o põe numa situação nova. Carlier o vê como um amigo, e não se prende ao fato de Fosca ser imortal, o que faz com que este se sinta “diferente”, e conseqüentemente, disposto a “renascer”, “Ele falava-me como se eu fosse seu semelhante; por isso é que ele me era caro” (pág. 219. 3ª Parte).
Carlier, porém, acaba, com o passar do tempo, invejando-o, assim como todos os outros que se encontram com o mesmo na jornada de suas vidas. Conscientizando-se de que jamais realizaria o seu sonho, e mesmo que realizasse não o alcançaria plenamente, já que estaria morto, “Agora, não posso suspeitar a idéia de que você verá todas as coisas e eu não as verei” (pág. 223, 3ª Parte), suicida-se, deixando Fosca, mais uma vez, sem um sentido para continuar, “E agora, o que vai ser de mim?Se não o houvesse encontrado, talvez tivesse podido continuar a caminhar durante cem anos, mil anos” (pág. 233, 3ª Parte).
Marianne é quem o faz sentir novo para a vida novamente. Os dois se apaixonam e vão viver juntos. Eles têm filhos e fundam uma Universidade. Antes de Marianne, Fosca encontrava-se numa triste situação: invejava os seres humanos e gostava de lhes assistir a morte, incentivava-os ao suicídio; era um homem frio, mas com seu novo amor, transforma-se novamente para o bem: sua vida passa a girar ao redor de Marianne. A relação, todavia, é incompleta, pois ele sofre por não poder compartilhar junto dela as mesmas emoções que ela sente. Logo vem o sentimento de traição à humanidade, visto que ele se percebe enganando Marianne e todo o resto, já que ele não é um deles, não pertence aquele tempo: “Não estava entre eles. Esse futuro, para eles puro, lido, inacessível como o azul do céu, tornar-se-ia para mim um presente que teria de viver dia por dia, na fadiga e no tédio” (pág. 326, 5ª Parte).
Assim como Fosca não vive as emoções de Marianne, não vive também as conquistas e vitórias dos demais, como a de Armand, de Garnier, de Laure e de todo o povo e a humanidade. Apenas vê as pessoas de forma muito prática, “Sabia eu o que valiam aos olhos dele a vida, a morte? Cumpria-lhes decidir. Por que viver não é apenas não morrer? Mas morrer para salvar a vida não era o pior dos enganos?” pois não lhes resta opção, visto que todos morrerão e somente ele ficará para sempre.
No final da quinta parte do romance, a narrativa é preenchida por flashbacks. Lembranças, vozes e imagens do passado se misturam às imagens do presente, às imagens da revolução, “das ruas vizinhas chegavam homens carregando macas (...) As praças de Roma estavam vermelhas, nas sarjetas os cães disputavam entre si estranhas coisas rosadas e brancas, um cão gania e mulheres e crianças voltavam para a lua seu rosto mutilado pelos cascos dos cavalos, as moscas zumbiam em torno dos corpos estendidos na terra batida entre as choças de bambu...” (pág. 334-335. 5ª Parte), “A multidão aclamava: Viva a República! Viva Carmona!” (pág. 337, 5ª Parte). No meio da confusão da revolução, Fosca lembra-se de Marianne e sente por ela não estar ali, pois ela sentiria a mesma emoção que aquelas pessoas, e através dela ele poderia sentir a vida, “Marianne!,dentro de mim. Ela teria tido olhos para ver, ouvidos para ouvir, e meu coração teria batido; para ela também o futuro teria flamejado: a liberdade, a fraternidade” (pág. 336, 5ª Parte). Podemos concluir, portanto, que ele passa a viver a vida através do outro, das emoções daqueles de quem ele não é mais um semelhante.
A narrativa é quebrada sempre no final de cada parte para voltar ao foco narrativo em terceira pessoa e ao momento presente em que Fosca conta sua história a Régine, com exceção da quinta parte, que termina ainda com o narrador em primeira pessoa, o narrador-personagem, Fosca. É no epílogo que o narrador onisciente retorna e assim, retorna também o presente, em que se encontram Fosca e Régine. A atriz encontra-se muito angustiada com toda essa história, e não sente vontade, assim como Fosca, de continuar a viver, “Quando ele tiver terminado, será preciso transpor essa porta e por trás ainda haverá alguma coisa. Não poderei dormir e não terei coragem de morrer” (pág. 343, Epílogo). Fosca termina o que tinha para contar e decide por andar mundo afora, deixando Régine sozinha, com ela mesma, que o acompanhando com os olhos até vê-lo desaparecer na curva da estrada, grita. Grita porque não há saída para a sua angústia: cabe a ele seguir por entre milênios, amaldiçoado, e a ela, ser uma formiga, uma folga de erva até não mais existir, “...ela permanecia tal qual ele a fizera: uma folha de erva, um mosquito, uma formiga, um pouco de espuma” (pág. 345, Epílogo).
O romance, feito de personagens redondos e uma narrativa miscigenada - por vezes time-shift, ora em terceira pessoa, ora em primeira, preenchida de monólogos interiores e flashbacks - é grandioso e oferece ao leitor momentos de intensa reflexão que desestabiliza conceitos que, observados superficialmente, parecem óbvios, mas não são. Existe realmente a vitória ou já nascemos todos derrotados? Todos esses e muitos outros temas oscilam dentro de nós durante a leitura da obra de Simone de Beauvoir, porque a história nos dá a visão da imortalidade não através de um mortal, que tanto a deseja; pois se assim fosse, nada de novo traria a narrativa; mas sim através de um imortal, levando o leitor a analisar de maneira mais cuidadosa e delicada os muitos assuntos apresentados, afinal, a imortalidade pode não ser tão boa quanto parece.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Poema (Sobre o que poucos conseguem alcançar)


Os pássaros cantam, as crianças sorriem, o mar se acalma: sim! Deus existe.


Os doentes gemem, os animais caçam-se, os homens choram, as crianças morrem de fome, o mar se agita: sim! Deus existe.


As borboletas voam, o aleijado se arrasta, os pássaros cortam os céus, e os vermes a carne fria: sim!Deus existe!


Deus é bom, Deus é mau, Deus é justo, ou não é, perante os nossos olhos.


É Deus! É Deus! Querendo ou não o homem.


É flor

É germe

É cura

É vírus

É Vida

É Morte

É Deus.


Marcela Teixeira Barbosa


As pessoas sempre me inspirando: isso é Deus também, por mais que não possamos entender!

Dessa vez foi outra amiga blogueira: Ana Paixão, com o poema Deus. Link abaixo:


Deus está dentro de nós, independentemente da crença, da cultura, de ser ateu ou não. Porque Deus está dentro de tudo: de cada gota da água do mar, e de cada átomo e de cada grão de areia. Podemos inventar religião, mas não podemos inventar Deus, porque ele está aqui antes de nós e estará depois de nós! Apenas o nomeamos: D E U S ou G O D ou A L Á! Não importa. Nós não importamos.

Beijos a todos e Deus nos abençõe de dentro para fora, para que assim possamos também abançoar os outros (Somos todos UM)!

sábado, 3 de janeiro de 2009

Sobre "O novo diferente" - comentário


Recomendada a crônica de Rômulo de Souza O novo diferente, amigo e blogueiro (Inter)dito [escritos cotidianos]. O texto me levou a seguinte reflexão que compartilho aqui com vocês:

link para a crônica: http://romulopsouza.blogspot.com/2008/12/o-novo-diferente.html

“Amar não é para todo mundo” (frase retirada da crônica). Eis a mais pura verdade! Que não conhecemos plenamente o amor... verdade também! A verdade omitida, ou esquecida por distração pelo autor de O novo cotidiano, mas que apresento agora é: tão difícil aceitar que amar não é para todo mundo, principalmente quando quem não sabe amar é aquele a quem amamos hoje ou amamos algum dia. O texto é delicioso. Parabéns!

Marcela Teixeira Barbosa

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Crônica - Martha Medeiros


Estava relendo uns recortes meus. Fui arrumar o armário, onde guardo dentre muitas outras coisas, pastas com recortes de textos, charges, entrevistas etc que leio em revistas e jornais e que me conquistam. Acho que esta crônica não deveria ter sido esquecida na pasta azul. Merece ser compartilhada com vocês. A autora é Martha Medeiros (1961), escritora gaúcha, formada em Propaganda e Publicidade. Trabalha para o famoso jornal Zero Hora como colunista e também colabora com a revista Época.


Fizeram a gente acreditar



Martha Medeiros

Fizeram a gente acreditar que amor mesmo, amor pra valer, só acontece uma vez, geralmente antes dos 30. Não contaram pra nós que amor não é acionado, nem chega com hora marcada.
Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja, e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra metade. Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que falta: a gente cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa companhia, é só mais agradável.
Fizeram a gente acreditar numa fórmula chamada “dois a um”,duas pessoas pensando igual, agindo igual, que era isso que funcionava. Não nos contaram que isso tem nome: anulação, que só sendo indivíduos com personalidade própria é que poderemos ter uma relação saudável.
Fizeram a gente acreditar que casamento é obrigatório e que desejos fora dele deveriam ser reprimidos.
Fizeram a gente acreditar que os bonitos e mágicos são mais amados, que os que transam pouco são caretas, que os que transam muito não são confiáveis, e que sempre haverá um chinelo velho para um pé torto. Só não disseram que existe muito mais cabeça torta do que pé torto.
Fizeram a gente acreditar que só há uma fórmula de ser feliz, e para todo, e os que escaparam dela estão condenados à marginalidade. Não nos contaram que estas fórmulas dão errado, frustram as pessoas, são alienantes, e que podemos tentar outras alternativas. Ah também não nos contaram que ninguém vai contar tudo isso para a gente. Cada um vai ter que descobrir sozinho. E aí, quando você estiver muito apaixonado por você mesmo, vai poder ser muito feliz e se apaixonar por alguém.


quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Conto - Sem faz de conta



Este conto já teve várias outras formas. Gostei da idéia, mas nunca gosto da forma. Eu não tenho o tempo da lavadeiras de Alagoas e invejo os parnasianos, então... exponho aqui o meu conto. Ruim, mas meu e ponto final! Faço com o que escrevo o que nos aconselha fazer Antônio Cândido em relação a nossa literatura: "comparada às grandes literaturas, a nossa é pobre e fraca. Mas é ela, não outra, que nos exprime. Se não a amarmos, ninguém o fará por nós" (A formação da literatura brasileira, fico devendo a página e a edição)

Sem faz de conta
Marcela Teixeira Barbosa

Naquela noite de sexta-feira, o apartamento fora invadido pela pressa. Tinha que ser rápida, havia uma festa para ir e já estava bem atrasada. Todos os seus amigos estariam lá, amigos que não via há tempos, por causa da correria da vida.
Deixara tudo preparado antes de sair de casa pela manhã: a roupa já estava escolhida, assim como a sandália e os acessórios. Só faltava tirar a roupa, tomar um banho e se vestir. Teria também, claro, que pegar um engarrafamento mostro: noite de expectativas, de muitos carros na rua.
A festa estava maravilhosa e o destino não satisfeito ainda traçou o seu reencontro com um grande amor. Depois da troca de olhares e o principiar de uma deliciosa conversa, o rapaz lhe ofereceu vinho branco, que ela adorava. Ela estendeu a mão para aceitar a gentileza, mas antes que pudesse tocar a taça, olhou para as suas próprias mãos e as encolheu no peito, deixando que a mesma caísse no chão.
O rapaz se assustou. Riu procurando entender, à espera de uma desculpa ou justificativa para o arrependimento repentino dela em aceitar a bebida. Ela abriu os lábios, vacilou, não conseguiu falar. A verdade era que suas unhas estavam por fazer. Lembrara-se de todos os detalhes, a roupa, o sapato, os brincos, a escova no cabelo. Mas as unhas... as unhas não estavam feitas e sentiu vergonha disso. Então encolheu as mãos antes que o seu grande amor as pudesse ver.
Ele ignorou o acontecido e se ofereceu para ir buscar outra, percebendo que ficara atordoada. Como ela negou, ele prosseguiu com a conversa.
Quando estava triste, ela esquecia de fazer as unhas, esquecia-as completamente. Quando estava mal, muito mal, quando estava cansada e se sentia perdida no mundo de todos os dias, ela não tinha mãos, não tinha unhas. Tinha todo o resto, menos as mãos, menos os dedos, menos as unhas. Mas não se percebera infeliz desde o fim do ano. Até então, tudo corria bem. Então teve medo. Temia que não estivesse. Estaria infeliz sem saber? Há quanto tempo estava vazia? Há quanto tempo não sentia as suas mãos? Não, ela não poderia estar triste sem saber, era patético. Estaria entrando no jogo do mundo: o faz de conta?
Linda, está tudo bem? Precisa de alguma coisa?
(Sem perceber, ela o deixara falando sozinho há tempos.)
Não. Não está tudo bem, não está NA-DA bem, com licença...
Desviou de mais umas pessoas a sua frente e não atendeu ao chamado de amigas que ao notar que ela partia a chamavam sem compreender.
Foi então que saiu da festa, entrou no primeiro táxi que viu, seguiu para a casa e ao chegar lá, fez as unhas.