sábado, 25 de abril de 2009

Crônica: Meu eterno vício


Sou uma dependente de pessoas. Com os olhos atraio-as a mim e com elas permaneço. Faço-as minhas, eu as possuo, as respiro. As escolhidas, cada uma a seu tempo, se tornam a minha matéria-prima, a minha fonte de energia, meu combustível para a vida. Assim, eu vivo, vivo com elas, morrendo e renascendo a cada minuto.

Então, quando tudo parece durar para sempre, logo logo estou me apropriando de outras. Retenho as suas imagens até que outras as venham novamente substituir, sem que eu mesma perceba. E no caso de esquecê-las, passo semanas, anos, por vezes séculos a vagar, como uma alma perdida pelo baixo mundo, sem energia e sem inspiração para ser. As lembranças não se esvaem, mas deixam marcas que ora não mudam nada ora me penetram ainda mais na escuridão.

E quando pareço perdida e me desespero, como um espectro que anseia por se libertar do negrume da melancolia, eis que cruza uma luz à minha fronte, e sem vacilar sugo-a para mim, não dando a ela nenhuma chance. Confisco-a e dela faço o que é bem de desejo meu: apodero-me da vida, até que a luz não me desperte mais nada e eu passe por tudo mais uma vez eternamente.

Caminho colecionando vidas, imagens, pessoas, possuida pelo mais profundo desejo de que, num dia ou numa noite qualquer, encontre aquela que me ajude a encerrar a coleção, não se tornando em mim apenas mais uma lembrança, mas o meu presente. Para sempre.


Marcela Teixeira Barbosa






terça-feira, 7 de abril de 2009

Ladrão cristalino: que cura e que destroi


Estou estudando o período barroco e tudo o que ele significou para a nossa história, para a nossa arte e encontrei um poema muito divertido no livro de Ana Hatherly, O ladrão cristalino: Aspectos do Imaginário Barroco. O livro é ótimo pra quem se interessa pelo tema, contém diversos artigos interessantíssimos, mas o que importa aqui neste post o poema, então aí vai.

(A imagem acima é do quadro de Antonio de Pereda, El sueño del caballero, sec. XVII. Sendo o poema barroco, não poederia deixar de ilustrar essa postagem com uma pintura também barroca e que trata obviamente da efemeridade da nossa vida e de nossos sonhos)

Ao tempo
(Jorge da Câmara - sec. XVII)


O tempo de si mesmo pede conta,
é necessário dar conta do tempo,
mas quem gastou sem conta tanto tempo,
como dará sem tempo tanta conta?


Não quer levar o tempo em conta
pois conta se não faz de dar-se tempo
onde só conta havia para tempo
se na conta do tempo houvesse conta.


Que conta pode dar quem não tem tempo?
em que tempo dará, quem não tem conta?
que quem à conta falta falta o tempo.


Vejo-me sem ter tempo e com ruim conta,
sabendo que hei-de dar conta do tempo
e que se chega o tempo de dar conta.


------- (fim do poema) ----------------


Conclusão: Dispomos de pouco tempo e muita conta para darmos conta ao pouco tempo que temos para dar conta da conta que temos.


Marcela Teixeira Barbosa