domingo, 10 de maio de 2009

Sós, enfim




Seus olhos me olham
Mas
Seus olhos
Não me veem
Vazios.

Seus lábios me falam
Mas
Seus lábios
Não me dizem
Indecifráveis.

Estarão seus olhos vazios
Ou serão
Os seus olhos
Reflexo dos meus?

Dirão nada seus lábios
Ou serão
Os meus lábios
Frios aos seus?

Marcela Teixeira Barbosa



terça-feira, 5 de maio de 2009

BEIJOIJEB






















A sua boca
Fonte
Desejo
Palpitar acelerado
Salivar inconsequente

A sua boca
Fonte
Prazer
Sentir em dois um
Sentimento e boca.

Marcela Teixeira Barbosa

sábado, 25 de abril de 2009

Crônica: Meu eterno vício


Sou uma dependente de pessoas. Com os olhos atraio-as a mim e com elas permaneço. Faço-as minhas, eu as possuo, as respiro. As escolhidas, cada uma a seu tempo, se tornam a minha matéria-prima, a minha fonte de energia, meu combustível para a vida. Assim, eu vivo, vivo com elas, morrendo e renascendo a cada minuto.

Então, quando tudo parece durar para sempre, logo logo estou me apropriando de outras. Retenho as suas imagens até que outras as venham novamente substituir, sem que eu mesma perceba. E no caso de esquecê-las, passo semanas, anos, por vezes séculos a vagar, como uma alma perdida pelo baixo mundo, sem energia e sem inspiração para ser. As lembranças não se esvaem, mas deixam marcas que ora não mudam nada ora me penetram ainda mais na escuridão.

E quando pareço perdida e me desespero, como um espectro que anseia por se libertar do negrume da melancolia, eis que cruza uma luz à minha fronte, e sem vacilar sugo-a para mim, não dando a ela nenhuma chance. Confisco-a e dela faço o que é bem de desejo meu: apodero-me da vida, até que a luz não me desperte mais nada e eu passe por tudo mais uma vez eternamente.

Caminho colecionando vidas, imagens, pessoas, possuida pelo mais profundo desejo de que, num dia ou numa noite qualquer, encontre aquela que me ajude a encerrar a coleção, não se tornando em mim apenas mais uma lembrança, mas o meu presente. Para sempre.


Marcela Teixeira Barbosa






terça-feira, 7 de abril de 2009

Ladrão cristalino: que cura e que destroi


Estou estudando o período barroco e tudo o que ele significou para a nossa história, para a nossa arte e encontrei um poema muito divertido no livro de Ana Hatherly, O ladrão cristalino: Aspectos do Imaginário Barroco. O livro é ótimo pra quem se interessa pelo tema, contém diversos artigos interessantíssimos, mas o que importa aqui neste post o poema, então aí vai.

(A imagem acima é do quadro de Antonio de Pereda, El sueño del caballero, sec. XVII. Sendo o poema barroco, não poederia deixar de ilustrar essa postagem com uma pintura também barroca e que trata obviamente da efemeridade da nossa vida e de nossos sonhos)

Ao tempo
(Jorge da Câmara - sec. XVII)


O tempo de si mesmo pede conta,
é necessário dar conta do tempo,
mas quem gastou sem conta tanto tempo,
como dará sem tempo tanta conta?


Não quer levar o tempo em conta
pois conta se não faz de dar-se tempo
onde só conta havia para tempo
se na conta do tempo houvesse conta.


Que conta pode dar quem não tem tempo?
em que tempo dará, quem não tem conta?
que quem à conta falta falta o tempo.


Vejo-me sem ter tempo e com ruim conta,
sabendo que hei-de dar conta do tempo
e que se chega o tempo de dar conta.


------- (fim do poema) ----------------


Conclusão: Dispomos de pouco tempo e muita conta para darmos conta ao pouco tempo que temos para dar conta da conta que temos.


Marcela Teixeira Barbosa

sábado, 21 de março de 2009

Resumão: Oríon, de Mário Cláudio


Mais um resumão!!! Desta vez, do romance Oríon, cuja autoria pertence ao escritor português contemporâneo Mário Cláudio. É excelente para quem gosta de história colonial e quer conhecer, através do fantástico e ficcional, um pouco mais sobre a perseguição aos judeus naquela época: é uma viagem para o Portugal dos séculos XV e XVI e para a Ilha de São Tomé e Príncipe. BOA VIAGEM!




Antes, um pouquinho sobre o autor:


Mário Cláudio é apenas o pseudônimo do escritor, que na verdade se chama Rui Manoel Pinto Barbot Costa. Além de autor de romances e licenciado em direito, Mário Cláudio, escreve também poesias, peças de teatro e ensaios, tendo já reconhecida a qualidade de seu trabalho com prêmios como APE de romance e novela, com a obra Amadeo, de 1984; Prêmio Pessoa em 2004 e Prêmio Vergílio Ferreira em 2008.


Resumo:



Oríon (2003), de Mário Cláudio, conta a história de sete crianças judias, Abel, Raquel, Débora, Caim, Benjamin, Séfora e Jairo, que devido à perseguição religiosa do reino português, mais precisamente, D. João II, aos judeus, são bruscamente separadas de suas famílias, sendo expulsas de Portugal e exiladas na Ilha de São Tomé e Príncipe como uma forma de punição aqueles que ousassem "desafiar" os mandamentos cristãos.


Em 1493, pisam as crianças, pela primeira vez, o solo da colônia portuguesa, deixando para sempre a sua terra e as suas desoladas mães. A partir daí, cada uma delas seguirá o seu próprio caminho, separadas, com exceção de Abel e Raquel, que se casam, umas das outras, mas unidas, entretanto, pela sua origem, história de vida e de fé.


A narrativa, que não é linear, mas fragmentalmente constituída através das reminiscências do narrador-personagem Abel, exige a malícia do leitor para organizar cronologicamente os fatos sem confundí-los. Abel, que tem intercalada a sua narração com outro foco narrativo, esse em terceira pessoa, conta tudo o que pode lembrar de sua jornada, desde a perseguição, em Portugal, até o presente momento, em São Tomé, de que parte a narrativa. Apesar de velho e doente, Abel se vangloria pelas conquistas que teve de se tornar senhor de engenho, contrariando totalmente as expectativas do rei de Portugal e de toda a gente de Lisboa, que acreditavam na morte certa das crianças judias ou na pútrida e insalubre viagem ou na própria Ilha, perdidas na selva.


Raquel, que também teve seu momento de glória, ao casar-se com Abel e, portanto, tornar-se igualmente dona de engenho, morre muito jovem. Ela se caracteriza principalmente pelo dom de cura que herdou da mãe, ambas consideradas, por esse motivo, feiticeiras. Sobre Débora recai toda a crueldade humana. Violentada durante a viagem marítima pelo juiz Gonçalo Anos, a criança destrói a boneca que sempre carregava e se torna promíscua, dormindo com todos os homens da Ilha, casados ou não. Após ter perdido violentamente os três filhos, assassinados, retira-se para a selva, e numa caverna se metamorfoseia em cobra, realizando, ao lado de seu parceiro e protetor, um delinquente português também mandado a conlônia, vários milagres.


Caim, menino considerado apto aos afazeres religiosos, comete o pecado original, o da fornicação, com a sedutora Úrsula, e é por ela denunciado às autoridades de São Tomé. Depois de ser humilhado e condenado, consegue fugir para o interior da selva e ser aceito no quilombo, desenvolvendo o seu lado obscuro. Caim se torna chefe do quilombo com o passar dos anos e instaura uma revolta que irá fazer vítimas homens, mulheres e crianças inocentes moradores da Ilha.


A criança dourada, Benjamim, doce e pueril desaparece, causando grande embaraço em autoridades, como o donatário da colônia Álvaro de Caminha. O sumisso misterioso de Benjamim produz a crença de que se tornou divino e subiu aos céus. A partir daí, a história será sempre alimentada com casos e mais casos de milagres supostamente realizados pela criança arrebatada.


Séfora herda a fortuna de seu senhor António Carneiro impondo-se, após a morte do mesmo, sobre as demais amantes; e Jairo, por fim, menino ambicioso, que sempre se mostrou frio e desapegado aos seus semelhantes, e bastante habilidoso na labuta marinha, conquista a confiança de Álvaro de Caminha e se torna traficante de escravos. Violenta centenas de meninas e mulheres escravas, tornando-se obcecado pela fornicação, morre de forma lastimável, tomado pelas doenças venéreas e sofre da maudade que ele mesmo cometeu ao se conscientizar na hora da morte do mal que fez a tantas crianças e mulheres de quem ele abusou.


Com o pouco que podemos observar neste resumo, notamos que o leitor tem o papel imprescíndivel nesse romance, assim como tem o astrônomo ao observar as estrelas. Como esse último, que junta em uma linda constelação, transformando todas as sete estrelas de Oríon, separadas por milhares de quilômetros, em uma única e grande figura; depende do olhar do ledor para que essas sete crianças separadas de seus pais e de sua terra tornem-se todas, mesmo que fisicamente distantes umas das outras, uma única e grande representação da história que perseguiu e matou, mais do que corpos, almas. Carregando a mesma história, a mesma natureza, assim como as estrelas, as crianças formam um excelente romance para se pensar o passado.

Marcela Teixeira Barbosa

quinta-feira, 12 de março de 2009

Crônica: Uma fatia de torta e um pouco de sexo, por favor


Nunca acreditei nas pesquisas que apresentavam maior porcentagem de mulheres que preferiam comer chocolate a fazer sexo. É evidente que para tudo, seja qual for a escolha, há prós e contras. Existem lá suas vantagens e desvantagens em comer um bom chocolate, assim como em fazer sexo; mas, para mim, independentemente de qualquer que fosse o chocolate, sexo, quando bem feito, seria sem dúvidas insuperável. Todavia, da mesma forma como acontece às personagens de Clarice, toda a minha certeza acerca do assunto abalou-se em questão de segundos: "Explosão"!

Bastou um talher, um prato, a torta.

Enquanto tudo girava ao meu redor, tamanho era o gozo, entendi o que antes era para mim inadimissível: sim, existe prazer maior do que o alcançado com o sexo. Meu eu vacilou, uma exceção estava transformando a minha visão de mundo: me dei conta do quanto fui cruel ao julgar frígidas aquelas pobres chocólatras entrevistadas. Não senti culpa, entretanto, visto que naquele momento de degustação plena, eu não era mais nada além de torta e boca, assim como não se é nada no instante em que morremos e renascemos.

Perdida naquele pedaço que se desfazia dentro de mim, somente o olhar fixo e espantado dos que me rodeavam trouxeram-me de volta à realidade compartilhada. O mundo se tornou chato outra vez.

Então, quando pensei estar convencida de que aquela, não outra, apenas e unicamente aquela torta era melhor do que sexo, eis que uma das atendentes abre a porta de acesso para a cozinha, permitindo-me, por breve instante, ver o confeiteiro: per-fei-to!

Novamente vacila o meu eu interior, mais uma vez minha certeza titubeia: talvez eu só estivesse com muita fome, aquela torta não podia ser melhor do que sexo.

E como não é possível ter tudo na vida, como não é direito entrar em uma confeitaria e pedir "uma fatia dessa torta e sexo com aquele confeiteiro, por favor" contentei-me em comprar uma outra fatia para viagem, certa de que, sendo eu uma pessoa ativa, amante de exercícios físicos, não poderia aquela torta me decepcionar no dia seguinte.


Marcela Teixeira Barbosa

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Resumo: O Púcaro Búlgaro


Mais um resumão!!! Agora do romance O Púcaro Búlgaro, de Campos de Carvalho.


Resumo:

Podemos dizer que, pelo menos, um dos objetivos do romance O Púcaro Búlgaro, de Campos de Carvalho, é apontar a alienação que caracteriza a nossa sociedade. A história é narrada pelo personagem principal do romance: um senhor herdeiro que vive a espionas janelas vizinhas com o seu binóculo e a escrever os acontecimentos do seu dia em seu diário. O personagem começa a sua narrativa afirmando que o que escreve em seu diário é uma "grande e misteriosa empreitada – tão misteriosa que eu mesmo me esqueci de qual seja" (pág 319), levando o leitor, desde o princípio, a desconfiar que talvez a personagem não domine bem as faculdades mentais.

O personagem deixa a mulher sozinha na Filadélfia após se deparar com um púcaro búlgaro no Museu Histórico e Geográfico de Filadélfia. Inconformado, pois ele não acredita na existência da Bulgária, por isso o púcaro não poderia ser búlgaro, deixa os EUA e volta para o Brasil decido a confirmar se o que se passara no museu fora verdadeiro.

Depois de ter confirmado pelo diretor do museu, através de troca de correspondências, a existência do púcaro búlgaro, a personagem, ainda incrédula da existência de um púcaro que seja búlgaro, toma uma segunda medida: anuncia na página "mais lida" do jornal, a necrológica, uma expedição à Bulgária.

A partir daí entrarão na história personagens também não muito lúcidas como Radamés, o professor de bulgarologia; Penacchio, que só anda inclinado para esquerda devido a uma neurose adquirida por morar ao lado da Torre de Pisa, na Itália; Ivo que viu a uva, dono de todos os zeros do mundo e Expedito que foi aceito na expedição imediatamente por causa do seu tão sugestivo nome. Não se pode esquecer de Rosa, personagem feminina que aparece apenas como objeto sexual ao longo de toda a narrativa.Todos eles, com exceção desta última, trabalharão para, quem sabe se em dias ou séculos, descobrir a Bulgária e decretar se ela é ou não um mito.

Depois do MSPDIDRBOPMDB (Movimento Subterrâneo Pró-Descoberta ou Invenção
Definitiva do Reino da Bulgária Ou Pelo Menos De Búlgaros) finalmente decidir que partirão rumo a Bulgária, num navio um pouco maior do que um daqueles feitos dentro de garrafas, e quantos quilos de vaselina ou quantas garrafas de uísque ou gim ou cachaça, dentre muitas outras coisas "úteis", levarão para a viagem, percebem-se impossibilitados de realizar a expedição, visto que foram furtados por Expedito e por Rosa, não possuindo, portanto, recursos para a viagem.

Os expedicionários, sem mais expedição, separam-se, e eis que Radamés revela-se búlgaro e confessa ter entrado nessa empreitada apenas para ficar mais próximo de Rosa, mulher que o atraía há um tempo.

É claro que o romance não tem apenas o objetivo de contar a história de cinco loucos que não acreditam na Bulgária: é através das divagações e conversas sem sentido entre eles, que o autor lança, quando menos se espera, críticas relevantes contra e para a sociedade. Como prova disso temos a esposa da personagem principal que, assim como Rosa, aparece somente como objeto sexual; a primeira como um produto que já perdeu a validade, “Foi uma mulher boa enquanto foi boa, depois as nádegas lhe cresceram tanto que eu tinha dificuldade até de atingir a cozinha, estando ela nas imediações” (pág. 320), e a segunda como a que dá para o gasto: “Rosa dá para o gasto, e eu sou o gasto” ( pág. 351).

Críticas sobre o homem inconsequente, que fala demais, aparecem não apenas uma vez: “Se o morto é tão acatado e respeitado é justamente devido ao seu espantoso silêncio, algo que escapa à compreensão de qualquer mortal e o torna, ao morto bem entendido, o menos entendido de todos os mistérios da natureza, seja ela feminina ou masculina” (pág. 323-324) e mais à frente, “O expedicionário e professor Radamés contestou veemente que se tratasse de uma degenerescência, parecendo-lhe tal fato antes um sinal de sabedoria e manifesta superioridade sobre o homem, que justamente se perde pela boca e vive perdendo a cabeça (...) defecamos tanto por cima quanto por baixo” (pág 359). A narrativa contém temas como antropofagia para questionar a “civilidade” humana: “muito pior do que comer o seu semelhante é fazer com ele o que se vem fazendo desde que o mundo é mundo, sobretudo entre as classes dominantes e cujo domínio é tão incerto quanto os domínios britânicos ou de qualquer espécie” (pág. 359) e mais à frente sobre a ambição, “o gato não devora o rato quando se sentia enfastiado, ao passo que o homem mesmo enfastiado devoraria o seu semelhante se tivesse a certeza de que a carne deste era tão boa quanto a carne de vaca ou mesmo de cavalo (...) conceitos ou preconceitos morais e religiosos nunca evitaram coisíssima nenhuma, como atestam os tempos de guerra e sobretudo os tempos de paz” (pág. 360) .

As críticas não param por aí, elas surgem para apontar a hipocrisia da vida em sociedade, “Sempre fui, sempre serei um crápula. Um crápula que dorme com uma rosa, no escuro para que o julguem menos crápula – os crápulas” (pág. 325), os idosos, “Pessoalmente tenho uma teoria muito particular sobre esses venerandos destroços que insistem em continuar atravancando o nosso caminho” (pág. 339), os crentes, por exemplo, “Eu adoro os veados, mas a longa distância como fazem os crentes com o seu deus, que fazem tudo para ver o mais tarde possível, se possível nunca” (pág. 354) os indivíduos e o governo, “Você deixa que os outros pensem por você e decidam sobre o que você deve fazer; e como os outros, por sua vez, estão deixando que alguém pense ou decida por eles, acaba ninguém pensando nem decidindo coisa nenhuma, o que é justamente o que o governo quer faz o possível para que aconteça” (pág. 253) e, por fim, e talvez mais relevante a alienação, por exemplo, “O único perigo, acrescentou, é encontrar petróleo...” (pág 369).

Outro fator importante, mas que não aprofundaremos aqui, é o jogo de palavras presente em quase todo o momento dentro do texto: “Mas um procurador, além de ser difícil procura-lo (...) como todo procurador que bem procura (pág. 336); “as da tataraneta ainda mais sensuais sob o justo mas injusto vestido negro” (pág. 351).

O Púcaro Búlgaro é o romance que usa do cômico para lançar questionamentos e críticas à sociedade de forma bem descontraída e engraçada, de maneira que, se tratando de um leitor distraído, o romance não passará de uma história engraçada, enquanto para o leitor atento, será mais um objeto de séria reflexão sobre o mundo ao seu redor.