quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Conto - Sem faz de conta



Este conto já teve várias outras formas. Gostei da idéia, mas nunca gosto da forma. Eu não tenho o tempo da lavadeiras de Alagoas e invejo os parnasianos, então... exponho aqui o meu conto. Ruim, mas meu e ponto final! Faço com o que escrevo o que nos aconselha fazer Antônio Cândido em relação a nossa literatura: "comparada às grandes literaturas, a nossa é pobre e fraca. Mas é ela, não outra, que nos exprime. Se não a amarmos, ninguém o fará por nós" (A formação da literatura brasileira, fico devendo a página e a edição)

Sem faz de conta
Marcela Teixeira Barbosa

Naquela noite de sexta-feira, o apartamento fora invadido pela pressa. Tinha que ser rápida, havia uma festa para ir e já estava bem atrasada. Todos os seus amigos estariam lá, amigos que não via há tempos, por causa da correria da vida.
Deixara tudo preparado antes de sair de casa pela manhã: a roupa já estava escolhida, assim como a sandália e os acessórios. Só faltava tirar a roupa, tomar um banho e se vestir. Teria também, claro, que pegar um engarrafamento mostro: noite de expectativas, de muitos carros na rua.
A festa estava maravilhosa e o destino não satisfeito ainda traçou o seu reencontro com um grande amor. Depois da troca de olhares e o principiar de uma deliciosa conversa, o rapaz lhe ofereceu vinho branco, que ela adorava. Ela estendeu a mão para aceitar a gentileza, mas antes que pudesse tocar a taça, olhou para as suas próprias mãos e as encolheu no peito, deixando que a mesma caísse no chão.
O rapaz se assustou. Riu procurando entender, à espera de uma desculpa ou justificativa para o arrependimento repentino dela em aceitar a bebida. Ela abriu os lábios, vacilou, não conseguiu falar. A verdade era que suas unhas estavam por fazer. Lembrara-se de todos os detalhes, a roupa, o sapato, os brincos, a escova no cabelo. Mas as unhas... as unhas não estavam feitas e sentiu vergonha disso. Então encolheu as mãos antes que o seu grande amor as pudesse ver.
Ele ignorou o acontecido e se ofereceu para ir buscar outra, percebendo que ficara atordoada. Como ela negou, ele prosseguiu com a conversa.
Quando estava triste, ela esquecia de fazer as unhas, esquecia-as completamente. Quando estava mal, muito mal, quando estava cansada e se sentia perdida no mundo de todos os dias, ela não tinha mãos, não tinha unhas. Tinha todo o resto, menos as mãos, menos os dedos, menos as unhas. Mas não se percebera infeliz desde o fim do ano. Até então, tudo corria bem. Então teve medo. Temia que não estivesse. Estaria infeliz sem saber? Há quanto tempo estava vazia? Há quanto tempo não sentia as suas mãos? Não, ela não poderia estar triste sem saber, era patético. Estaria entrando no jogo do mundo: o faz de conta?
Linda, está tudo bem? Precisa de alguma coisa?
(Sem perceber, ela o deixara falando sozinho há tempos.)
Não. Não está tudo bem, não está NA-DA bem, com licença...
Desviou de mais umas pessoas a sua frente e não atendeu ao chamado de amigas que ao notar que ela partia a chamavam sem compreender.
Foi então que saiu da festa, entrou no primeiro táxi que viu, seguiu para a casa e ao chegar lá, fez as unhas.

2 comentários:

  1. Gostei da crônica. A cada dia, fico mais o seu fã..rs Achei um aspecto interessante na leitura que fiz dele sob um olhar masculino. No texto, podemos perceber um pouco desse universo enigmático feminino que nos encanta. Ao mesmo tempo em que a personagem se frusta com o que para nós possa parecer uma coisa mínima como a unha mal feita, essa ação nos mostra que a maior preocupação da moça era sobre a sua aceitação diante do seu grande amor. Às vezes a gente não entende isso e acaba ficando sem saber o que aconteceu quando tentamos nos aproximar. Você tem um perfil semelhante ao de Clarice Lispector e de outras escritoras que investigam esse enigmático universo..rs Continue escrevendo..não acho nada ruim essa crônica e creio que a autocrítica em demasia nos coíbe a vôos mais altos.

    um abraço

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  2. Quando dizem que o que lemos nos influencia,seja lá quem diga isso,estão completamente certos! Já li muito Clarice Lispector, acho que é por isso!
    Com certeza a autocrítica em demasia nos coíbe de voos (agora sem acento!rs) mais altos. O que eu começo a escrever termina sempre amassado no lixo!rs
    Prometo ser mais corajosa este ano! :D
    Bjs

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